Com exceção do Apolo que viajou divertindo-se no exercício de sua função, estávamos bastante cansados e resolvemos voltar pra casa do Léo, tomar um banho e, mais tarde, irmos à feira de cultura no centro da cidade. A palavra “descansar” foi providencial. Detonou na cabeça do Léo que iríamos precisar de colchões para dormir. Ele tinha na casa apenas dois destes apetrechos já comprometidos com ele próprio e seu fiel escudeiro, o garimpeiro Edmilson. Daí, nos conduziu para a casa de um irmão do qual surrupiou duas unidades. Faltavam duas. Dora chegou a compadecer-se da aflição do Léo, aflição esta que, talvez por falta do peculiar sentimento maternal eu não cheguei a perceber. Ela chegou a propor pro Apolo:
_ Meu bem, o moço tá com dificuldades para arrumar os colchões. A gente podia ir para uma pensão ou um hotel...
Apolo não quis nem saber.
_ Não, sem chance. Ele convidou, ofereceu abrigo, agora que se vire. Nós vamos ficar na casa dele, e FIM!
Após acionar alguns contatos sem nenhum resultado prático, o Léo lembrou-se de uma prima, proprietária de importante hotel no centro da cidade. Tocamos pra lá. A prima do nosso amigo não se encontrava. Estava a fazer suas preces numa igreja, quem sabe, pedindo a Deus que a livrasse de visitas inconvenientes. Não adiantou muito. Léo fez soar a campainha, depois bateu palmas e, por fim, passou a esgoelar pelo nome da prima. Foi quando apareceu o companheiro da mesma, um oficial reformado, de poucas conversas. Léo disse a ele suas razões e pediu os colchões emprestados. O moço olhou desconsolado para o nosso lado e tratou logo de emprestar os colchões com receio de que a segunda idéia do Léo fosse pedir para que pernoitássemos lá.
Chegamos em casa guardamos os colchões, quem quis tomou seu banho e fomos à “luta”. Passeamos pela avenida às margens do velho Chico, enquanto Léo do Peixe, entre uma e outra orientação legislativa de trânsito para o nosso motorista ia apresentando a cidade e suas preciosidades. Pudemos perceber que o Léo tem muitos amigos em Pirapora, amigos estes, com os quais partilha a cidade que pertence, quase toda ela, à sua família. O açougue é de um primo, a boate é de uma tia, a academia é de um sobrinho, o hotel, como já dissemos, pertence à sua prima, o supermercado é do tio, e assim por diante. A escola principal da cidade não de nenhum parente dele. Mas a prima é diretora lá.
Fomos também a um educandário onde funciona o Clube de Leitura, implantado na cidade pelo Léo e do qual falaremos depois. Quando chegamos, fui apresentado a uma gentil senhorita de nome Adriana, presidente do Clube de Leitura. A partir daí, não tive cabeça para mais nada. Ah, meu Deus... Adriana...
A essa altura, Léo teve a idéia de organizar um Sarau para o sábado. Tudo muito bem planejado ao seu tempo e hora. Viu um bar aberto mandou tocar pra lá. Mandou chamar o dono e foi logo anunciando.
_ Aí, companheiro, amanhã às 20h00 a gente vai fazer uma sarau aqui, combinado?
O moço fez uma cara de quem não entendeu bem mas fez que sim com a cabeça e Léo deu o sarau por organizado. Com Léo é assim, simples assim.
Depois de um tour, seguimos para a Praça do Coreto, onde funcionava uma feira cultural de muito bom gosto, bem organizada, com boa música ao vivo. Pensei em comprar um CD da cantora mas enquanto eu fazia a minha contabilidade para saber se dispunha de numerário para tal, os CDs esgotaram-se.
Comida na feira tinha de tudo. Farofa de carne seca, brigadeiro, caldos diversos, tropeiro, vatapá e tudo mais. Apolo, Dora, e Túlio experimentaram de tudo um pouco e eu e o Léo experimentamos um pouco de tudo que eles compraram. Ao final, tínhamos comido tanto quanto eles sem aqueles gastos que constrangem a digestão daquilo que comemos. Túlio foi quem escolheu o local onde nos sentamos. Ficava um pouco distante das barracas de gastronomia e a três passos da barra de cerveja. De cinco em cinco minutos o Léo tava apresentando alguém importante pra gente e colocando a gente como importante pra eles.
Anunciou o sarau pra todo mundo que viu. Depois das 23h00, já bem empapuçados de comer e beber pensamos em ir embora. Foi só o tempo de Apolo e Dora comerem dois potes de canjica (isso eu não quis), nos mandamos pra casa e fomos dormir.
No sábado, antes das seis, soou o alarme que acorda o Léo pra ir pescar. Em verdade, nem sei se aquilo pode ser chamado de alarme. Eu pensei que a casa tava caindo. O trem é conectado a uma parafernália sonora que acorda metade da população. Levantamos, tomamos um café feito pelo Edmilson, escutamos algumas estórias do Léo e fomos à uma escola onde o Léo estudou, onde participamos de um evento promovido por aquele estabelecimento. O nosso amigo montou lá sua estante com vários livros. Vários alunos se inscreveram e obtiveram empréstimo de parte dos mesmos para leitura. Além dessa atividade literária, também foram exibidos filmes sobre a borrachalioteca e o aquecimento global. Após o evento, saboreamos uma pizza oferecida pela escola, com coca cola patrocinada por Túlio.
Daí, fomos ao Centro de Convenções da cidade, um prédio de singular beleza, bem funcional, com fundos para o velho Chico, onde estaria acontecendo uma exposição sobre Guimarães Rosa. Imperdível. Ao chegarmos ao local, decepção. O estabelecimento estava fechado. Para nossa surpresa o Léo mandou abrir e tivemos acesso aos vários textos expostos em baners, de autoria do renomado escritor. Coisa de se não esquecer por pelo menos dois séculos.
Hora de almoço. Léo nos levou ao bar de um tal “tiãozinho” que, segundo ele, servia o melhor surubim do município, embora fosse bem caro. Esta expressão me cortou o coração. Mas, enfim, tinha que comer, não tinha? Fomos lá.
Léo tinha razão. A comida era deliciosa, o peixe, inesquecível. Léo, imaginando que não tínhamos lá aquelas condições financeiras (e no meu caso acertou), mandou chamar o dono do bar e foi logo expondo nossa situação de penúria, pedindo um bom desconto. Ao fim da comelança e das três ou quatro cervejas de Túlio, o desconto foi feito e cada um deveria desembolsar R$20,00. Deveria, porque nessa hora, chamado por algum de nós (teria sido eu? Não lembro) São Francisco de Assis tocou o coração do Apolo e ele se dispôs a pagar toda a despesa. Eu já estava com meus vinte nas mãos. Mas, se o bom cavalheirismo me aconselhava a insistir no pagamento, a minha situação me condenava ao contrário. Agradeci e enfiei os vinte no bolso de novo. Túlio, sempre moderado em suas atitudes, sequer chegou a sacar os vinte. Léo esboçou uma reação. Puro cinema. Acomodou logo.
Após o almoço fomos pra casa, descansamos um pouco e, por volta de 16h00, estávamos trocando o show de Téo Azevedo que seria às 17, por um passeio de barco até a Ilha onde o Léo tinha o seu rancho de pescaria. Contratamos um caboclo de nome Dominguinhos para nos levar até lá. Sinceramente, “contratamos” é só uma força de expressão porque eu e o Túlio não sabemos até hoje quanto custou isso. O moço era bom de barco. Na hora em que o Léo entrou pensei que íamos naufragar. O barco foi pra frente, voltou pra trás, afundou uns quinze centímetros, mas manteve-se na superfície. Chegamos á ilha em 35 minutos. Tudo muito legal. Visitamos o rancho muito bem construído até ao ponto em que estava, embora no seu interior a bagunça era bem própria de rancho de pescador. Tentei descobrir onde o Léo dormia e não consegui. E lá vem estórias. Blá-blá-blá, bla-blá-blá e a noite chegando. Saímos de lá por volta de 18h00 e a noite nos acolheu enquanto subíamos o rio de volta, percurso que fizemos em uma hora e pouco. Claro que tive medo. Mas foi muito bom e eu toparia fazer tudo de novo.
... continua.
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